Eu queria muito saber quem foi o sociopata que viralizou a ideia por aí de que as habilidades básicas necessárias para uma pessoa saber programar é ser capaz de responder umas dezenas de testes algorítmicos e matemáticos…
Esses dias pra trás recebi um post de recrutamento do Nubank e fiquei completamente chocada. Uma das mais abusivas postagens que eu já vi como programadora…
O projeto de recrutamento se dizia voltado para as mulheres e chamava-se “Yes, she codes”, ou seja, obviamente nem era pensado por mulheres porque se dirige a nós na terceira pessoa. Mas isso foi só o começo da minha perplexão…
Comecei a olhar o conteúdo da postagem e não conseguia nem acreditar na sequência de requisitos indicados para a vaga. Com certeza aquilo tudo não é voltado para seres humanos… Definitivamente eles não entendem nada sobre mulheres programadoras.
E por último resolvi então respirar fundo e testar o processo de contratação desse programa, só pra ver até onde eles eram capazes de chegar. Me inscrevi no site e recebi um e-mail dizendo que o processo delEs era composto de várias fases, e que as pessoas teriam que dedicar muitas e muitas horas, durante vários e vários dias, despropositada e gratuitamente, para então saber se no final de todo esse esforço, talvez essa empresa por acaso teria algum interesse real em contratá-las. Surreal.
Sim, eu sei muito bem que esses abusos são uma prática constante no mercado de T.I. Inclusive cliquei no link da primeira fase do processo de contratação e fui direcionada para o site HackerRank.com.
Pronto, esse site exemplifica tudo aquilo que um programador da década de 2020 não precisa mais ter. 100% voltado para hard skills. E ainda têm a cara de pau de botar jovens mulheres sorridentes como imagens de marketing, para dar aquela impressão de que são diversos. Pink washing descaradíssimo.
Não tem nem um soft skill sequer em todo o site… Ou seja, os usuários reais de todo esse software produzido por esses candidatos que se explodam. Se todas as linhas de código produzidas por esses programadores simplesmente for desperdiçada, ninguém nunca conseguir usar ou não tiver qualquer utilidade prática, quem se importa, não é verdade?
Outro dia apareceu um banner no meu LinkedIn me convidando para fazer uns testes profissionais dentro da plataforma deles. Cliquei por curiosidade no teste de JSON.
Eu programo diariamente com JSON há muitos e muitos anos. Nem sequer me lembro qual foi a última vez que eu usei um arquivo XML para trafegar dados em minhas APIs ou APIs de terceiros… Já na primeira pergunta do teste eu fiquei completamente revoltada. Absurdo atrás de absurdos… Nem sequer correto o teste estava!
Era um teste de sintaxe de JSON, que não faz qualquer sentido na prática. Além da abordagem estar completamente errônea, nada nessa questão faz é válido na vida real de quem programa softwares reais, para pessoas reais utilizarem de verdade. E o pior é que isso é praxe no mercado de recrutamento. Que bando de loucos.
Desde quando decorar sintaxe de linguagens de programação é saber programar?? Eu programo muito bem há várias décadas e se tem uma coisa que eu faço questão é de não saber nenhuma sintaxe de cor, porque isso, para mim, significa que eu robotizei minha lógica e me afastei do objetivo final de meu software, que é ser utilizado por pessoas de verdade num mercado de verdade.
Esses tipos de testes que são oferecidos pelos sites de recrutamento, não visam em nada identificar competências práticas necessárias para programar, mas somente avaliam o potencial competitivo de um indivíduo.
Saber codar um algoritmo de fibonacci ou de números primos não tem absolutamente nada a ver com o código que precisa ser gerado para o mercado. Nem mesmo quando finge-se preocupar com a performance desse software, o tal falácia do Big O. Se pelo menos um único usuário sequer rodar o seu código em produção dentro de um contexto real de mercado, seu software já passa imediatamente a fazer parte da pequeníssima minoria dos códigos que não foram simplesmente jogados no lixo no final das contas.
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