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Letícia Silva
Letícia Silva

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Precisamos falar sobre a pirataria.

A pirataria me fez ser quem eu sou hoje, e provavelmente impactou a sua vida também. Mas quais os impactos disso?

Se você vai ler esse texto, preciso te dar algumas informações:

  • Eu não vou defender ou demonizar a pirataria, e vou explicar o porquê;
  • Tenho 23 anos, trabalho com tecnologia e tenho muitos privilégios (dentre eles adquirir livros e consumir outros conteúdos de forma lícita);
  • Não venho de família rica, apesar de atualmente ter muitas condições que não tive no passado.

Muito se fala, principalmente em tecnologia, sobre a pirataria. Diariamente ouço relatos de pessoas que têm seus conteúdos copiados, ao mesmo tempo em que vejo livros em PDF e outros tipos de informações sendo compartilhados de forma descontrolada em grupos de TI. O que não é dito - e muitas vezes, não é pensado - é porque isso acontece, quais suas causas e consequências. Então, vamos começar pelas origens:

De onde surgiu a pirataria no Brasil?

A pirataria chega aqui junto com a mudança mais drástica que o país já sofreu - a tomada do país pelos portugueses. No livro "O Jardim de D. João", a jornalista e escritora Rosa Nepomuceno mostra indícios de que a prática já era bem comum na época, e foi oficializada no ano de 1809. Mais detalhes podem ser encontrados aqui. Dito isso, podemos começar a entender a proporção que a pirataria é bem mais antiga do que se imagina, né?!

OBS.: A pirataria não existe somente no Brasil, como em todo o mundo. 🌎

A pirataria é um problema social

Sem dúvidas, a crescente no consumo de produtos piratas é cercada por diversos motivos, sendo o maior e mais comum deles a acessibilidade. Produtos pirateados tendem a ser mais baratos e mais vantajosos financeiramente, considerando que possuem aparência similar e prometem oferecer uma qualidade igual ou próxima do original. Isso promoveu às classes que não possuíam altas condições financeiras o acesso a um mundo que chegava mais próximo do que se é esperado enquanto sociedade, promovido pelas mídias de comunicação.

Poder se vestir da maneira que se é vista em clipes, usar dispositivos eletrônicos e produtos de beleza parecidos com os de pessoas famosas, e poder ofertar um "status" dentro da comunidade em que se habita provocou um efeito muito conhecido, e que permeia toda a "massa" do país. É inevitável, toda pessoa nascida e criada no território brasileiro já consumiu algum produto pirata, consiciente ou inconsciente desse ato.

Impacta nos cofres públicos

Há também um outro fato para que se difame tanto o ato de piratear: os prejuízos em impostos. A pirataria é um mercado que movimenta mais de $ 56 bilhões de reais por ano, e isso faz com que todos os setores da economia sejam afetados, deixando de arrecadar mais de $ 84 bilhões de reais, segundo a Mackenzie.

Na área de software esse problema se torna ainda maior, afetando "61% dos programas e 70,4% dos equipamentos vendidos, causando a perda de 45 mil vagas de emprego e 1,4 bilhão de reais a menos nos cofres públicos” (dados da Associação das Empresas de Software - Abes).

É um ato cultural

Independente de classe social, é observado que há um consumo dessa categoria de produtos por todas as classes sociais, exatamente por estar enraizado na sociedade. O "jeitinho brasileiro" pode não ter uma origem tão brasileira assim, mas é comumente praticado por todos e vem sendo naturalizado dia após dia.

Mas agora, a pergunta que não quer calar: por que precisamos falar sobre isso?

Resolver escrever esse texto pode parecer um ato de loucura ou coragem, você escolhe, mas além disso, é um ato de necessidade. Tenho presenciado frequentemente pessoas demonizando o compartilhamento de artigos, livros ou outros tipos de conteúdos, principalmente dentro das comunidades, e gostaria de relembrar porque a pirataria é um tópico que precisa ser debatido.

Vivências importam

Como falei no começo, eu sou uma mulher, da tecnologia, que trabalha com ciência de dados. E hoje eu consigo comprar, apesar de muitas vezes serem valores exorbitantes até para mim, os materiais de estudo que preciso, como livros sobre os conteúdos que pesquiso e/ou quero aprender. Infelizmente, não foi assim a vida toda.

Fazendo um giro pela minha vida, consigo recordar claramente que meus pais não tinham condições de comprar livros para eu ler, mesmo sendo uma leitora assídua. Eu consumia livros da escola pública em que estudava, porque haviam livros disponíveis lá. Então, desde pequena, peguei o hábito pela leitura porque tive acesso, mesmo não tendo condições de adquirir.

Durante muitos anos também, eu passei os finais de semana indo a feira com meu pai para visitar barraquinhas de CD's e DVD's, porque não tínhamos condições de pagar. Lembro até hoje de namorar um DVD do Michael Jackson nas Lojas Americanas, no valor de $ 40 reais. Encontramos o mesmo e vários outros DVD's diferentes, e pagamos $ 10 reais, levando três deles para casa.

No técnico e graduação, começou a saga de "Vocês precisam ler isso" e "Vocês precisam ler aquilo" e nem todos os conteúdos / materiais estarem disponíveis na biblioteca, fosse da faculdade, fosse da biblioteca pública da cidade. Lembro que andava com uma mochila gigantesca para carregar todos os livros que precisava ler das 9 disciplinas diferentes, e mesmo assim não era o bastante. Tive problemas na coluna, eventualmente esquecia de entregar os livros (e ficava dias sem poder emprestar novamente por conta disso) e ainda assim, não era sempre o conteúdo que os professores exigiam ser consumido em sala de aula.

Lembro quando ganhei um Kindle. Foi o melhor presente de longe que havia ganhado na vida, porque conseguia baixar os arquivos que precisava e lia-os num e-reader que pesava menos de 170 gramas. Também lembro que nunca quis piratear o conteúdo de alguém, mas querer e precisar são coisas bem diferentes. E você entende bem esses conceitos quando sente na pele.

Entrei no meu primeiro trabalho como desenvolvedora. Era dentro de um instituto de pesquisa, e todo meu tempo livre era destinado a explorar a biblioteca. Eu aproveitava ao máximo o tempo e conteúdos disponíveis, sempre marcava numa agenda os dias que precisava devolver os livros para não atrasar, e frequentava tanto que me tornei amiga da bibliotecária. Ela dizia que nunca havia visto alguém com tanta "sede" por livros.

Em 2018 ganhei meus primeiros livros de linguagens de programação de presente de aniversário, e eu chorei. Chorei porque, se meu pai não tivesse comprado e parcelado em mil prestações no cartão, provavelmente não os teria tão cedo. E isso, definitivamente, mudou a minha vida.

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Hoje estamos em 2021. Nessa foto não tem todos, mas grande parte dos livros que adquiri nesses anos. Pode parecer poucos para uns, mas é muito para mim. E é algo grandioso porque eu nunca pude comprar, então meu acesso, de uma forma ou outra, fora limitado durante uma parcela da minha vida.

Atualmente eu posso, e valorizo muito isso, mas por muito tempo eu não pude. E é sobre isso que quero falar. Hoje existe muito conteúdo gratuito na internet, para as pessoas acessarem / baixarem / consumirem, mas ainda existem áreas e assuntos extremamente escassos de materiais. E sabe onde normalmente você encontra isso? Em conteúdos pagos. E sabe quem não tem acesso? Quem não tem dinheiro para pagar.

Eu fico extremamente feliz de saber que diversos conteúdos estão mais fáceis de serem acessados, mas entenda: estar na internet não significa estar acessível. Mesmo existindo documentação de n linguagens de programação, fora raras exceções, a maioria é em inglês. E sabe quem não tem acesso a inglês de qualidade? 90% da população brasileira.

Então eu quero que cada pessoa que chegou até aqui pense sobre isso. Eu não estou aqui para julgar, proteger ou apontar, mas sim para atestar que: a pirataria me trouxe até aqui. E provavelmente trouxe você também.

E antes de dizer que essa afirmação é falsa, vasculhe em todos os itens da sua casa, no seu computador (Windows, pacote Office, Adobe Photoshop e afins), Drive e arquivos pessoais (livros, artigos, fotos, músicas), coleção de videogames, gadgets, roupas, acessórios, sapatos e demais itens. Eu realmente duvido que você não possua um item pirateado, mesmo que não saiba desse fato.

Quer mudar esse cenário? Então contribua de alguma forma! Seja doando seus livros e materiais antigos para alguém, produzindo conteúdo de qualidade 100% em português, traduzindo documentação ou comprando conteúdos pagos e doando para quem precisa, ficar inerte sobre essa situação não é uma opção. Muita gente pode ser impactada por uma atitude simples que pode vir de você, então não deixe essa oportunidade passar.

Reflita sobre isso.

Beijos,
Lê.

Top comments (3)

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augustoasilva profile image
Augusto Silva

Esse trecho fala muita coisa da priataria:

Lembro até hoje de namorar um DVD do Michael Jackson nas Lojas Americanas, no valor de $ 40 reais. Encontramos o mesmo e vários outros DVD's diferentes, e pagamos $ 10 reais, levando três deles para casa.

Não só como acesso a informação, mas também como acesso a cultura. Um caso atual é o filme bacurau onde o diretor Kleber Mendonça postou uma foto dele mostrando os DVDs piratas do seu filme. Eu já fui muito do ser a favor da pirataria, ser contra a pirataria e hoje vejo como ela é, infelizmente, a única porta de entrada para conhecimento e cultura de muitas pessoas.

Por isso acho bacana discutirmos sempre sobre isso, para que muito se possa ser falado, discutido e como reverter essas situações. Mas sempre sem jogar pedras em quem só tem essa fonte de acesso às coisas e tentando ajudar essas pessoas.

No mais, ótimo texto!

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wlsf profile image
Willian Frantz

Passei muito por essa situação do "Devo não nego, pago quando puder" kkkkk, acho que li muita coisa pirateada até de fato ter condições financeiras pra comprar livros e outros materiais que foram e são essenciais no meu desenvolvimento pessoal/profissional.

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pothix profile image
PotHix

Oi Leticia,

Bem interessante o texto, parabens!
Fiz um post de resposta depois de ver um amigo compartilhando seu texto no Twitter: pothix.com/pirataria

Queria dar um pouco a visão de alguém que cria conteúdo pago para que as pessoas possam ver os dois lados. A pirataria não resolve muito bem esse problema e tem formas melhores, na minha opinião. Ainda mais para produtos que tem preços acessíveis.

Obrigado por iniciar essa discussão.

Há braços

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PotHix