Tem uma coisa parte óbvia e parte mágica que descobri esses tempos atrás. Chama-se “externalizar cognição”.
Aprendi o nome lendo o livro Teaching Tech Together, que é sobre ensino de programação. Excelente o livro, aliás, recomendadíssimo.
Esse é um daqueles casos em que você pensa “eu já sabia disso”, mas de alguma forma quando alguém dá um nome pra coisa, as ideias relacionadas se aglomeram em torno daquele novo núcleo na cabeça, e ele vai atraindo coisas novas quando você aprende e relaciona com ele.
No caso, “externalizar cognição” é basicamente escrever e desenhar. Pegar algo que está na sua cabeça e botar pra fora no mundo físico de alguma forma que você possa olhar de fora. Aí você consegue juntar com outras coisas também externas, fazer relações, etc. que não faria antes. Você “reifica” o conceito, onde “res” é latim para coisa: é a coisificação do pensamento.
Por que isso ajuda? Um motivo é que a nossa memória temporária é limitadíssima. De acordo com estudos mais recentes, parece que a gente consegue lembrar de 4 a 6 “coisas” na cabeça de uma vez só. Palavras, números, conceitos pequenos ou grandes.
Aí como é que você pensa na sétima coisa e relaciona ela com a primeira? Não dá, porque para a sétima entrar alguma tem que sair. Ok, pode não ser sempre a primeira que sai, não é em ordem, mas a ideia é essa.
Um jeito de lidar com isso é o que chamam de chunking. A gente agrupa conceitos em abstrações de mais alto nível, e aí dá para pensar em “corpo humano” e ocupar só uma das 4-7 posições. Não dá para pensar em cada órgão individualmente tudo de uma vez.
Pra “chunkear” (agrupar) as coisas às vezes é preciso ver um monte delas juntas até a gente perceber algum padrão. Aí a gente usa papel, computador, pincel, etc. pra pôr as coisas pra fora coisificadas. Ainda dá pra prestar atenção em poucas de cada vez, mas aí elas não se perdem quando a gente tira o olho de uma e foca em outra. Dá pra ficar indo e voltando e traçando relações até sair a coisa que a gente está querendo pensar.
Meio óbvio né? Nada novo, também.
Esses dias eu estava lendo Pedagogia do Oprimido do Paulo Freire por indicação de uma amiga, e ele fala justo disso em relação à alfabetização. Bem bonito o jeito que ele descreve esse “despertar” que acontece quando você passa a conseguir ver seu mundo e a si mesmo em terceira pessoa, manipulá-los em símbolos, transformá-los, ver as diferenças entre o real e o reimaginado, e começa a pensar em como levar o que está ao que pode ser.
Por isso que escrever não é só pra dizer o que você já tinha pensado em dizer. É pra pensar o que não cabe na cabeça.
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