Texto escrito em 2013
Continuando a série de posts na qual exponho os resultados da minha pesquisa sobre o fenômeno do assédio moral em empresas de TI com foco em fábricas de software vou expor agora o conceito de assédio moral no Direito, Sociologia e Psicologia.
Se você foi um dos que contribuiu com a pesquisa me fornecendo seus relatos anônimamente muito obrigado! Neste post você poderá descobrir se sua experiência correspondeu ou não ao assédio moral. Vamos lá?
O que é assédio moral?
O interessante do assédio moral é o fato de haver um conceito bem definido (bem próximo da unanimidade) para o fenômeno. Um advogado lhe daria uma definição similar à que transcrevo abaixo, retirada da tese de mestrado "Assédio Moral no Ambiente de Trabalho e a Política Empresarial de Metas" de Rafael Moraes Carvalho Pinto:
"O assédio moral no trabalho significa a prática de qualquer ato (...) dirigido contra o trabalhador (seja o subordinado, o colega do mesmo nível hierárquico ou superior) ou um grupo de trabalhadores que, de maneira sistemática, abusiva e reiterada (...) provoque, de forma deliberada, a degradação do ambiente de trabalho, capaz de ofender a dignidade da vítima ou causar-lhe danos psíquicos ou físicos"
Uou! Vou traduzir isto para uma linguagem mais próxima do nosso dia-a-dia em TI: o que Rafael quer dizer é que o assédio moral possuí três características que o diferenciam enquanto fenômeno. São elas:
1. Degradação das condições de trabalho de forma intencional
No assédio moral há dois atores: o assediador e a vítima. O vilão da história tentará de todas as maneiras minar as condições que propiciam a qualidade na execução do trabalho da vítima. O objetivo é claro: tornar o trabalho do assediado o mais difícil possível, seja através da instalação de um clima ruim dentro da fábrica ou até mesmo impedindo que esta possa usar ferramentas que auxiliem o seu trabalho.
Na pesquisa que estou fazendo é muito comum a ocorrência do assédio moral entre programadores e testadores. Segue aqui um exemplo: o desenvolvedor se sente incomodado com um testador e começa a queimar o seu filme dentro da empresa com o objetivo de anular sua credibilidade. Como não é mais levado a sério pelos demais colegas de trabalho que questionam todos os bugs por este abertos seu trabalho se torna cada dia mais difícil até que em determinado momento o sujeito apela e sai da empresa.
Outro exemplo interessante: na codificação de determinado sistema nada obriga a utilização de um editor de texto ou IDE, no entanto para um programador específico torna-se obrigatório o uso de uma ferramenta com a qual não possua qualquer experiência, tornando seu trabalho ordens de magnitude mais difícil durante o período de adaptação, a partir do qual surgirão uma série de ataques minando sua auto estima e credibilidade entre os colegas.
Estes são apenas dois exemplos simples. De forma geral, fofoca em ambiente de trabalho direcionadas a um indivíduo ou grupo também podem gerar o mesmo efeito. A criatividade humana é infinita neste aspecto: sempre dá pra infernizar o trabalho alheio.
2. Repetição sistemática do ato de forma contínuada por determinado período de tempo
Sabe aquela história do "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura"? Pois é: ela se aplica aqui. Um ato isolado não pode ser considerado assédio moral. O dano psicológico no profissional causado pelo assédio moral é ordens de magnitude maior que o decorrente do ato isolado.
Isoladamente, os fatos que constituirão um assédio moral podem parecer inofensivos. Não são raras as situações nas quais a vítima, ao relatar suas experiências toma como resposta frases do tipo: "isto é frescura sua", "você ficou chateado só com isto?", "nossa, você é sensível hein?" e por aí vai. Você percebe o assédio somente a partir do momento em que todos os fatos são vistos em conjunto.
A palavra assédio é usada por uma boa razão. Buscando em um dicionário você obterá uma definição similar a esta: "permanência ou repetição de uma conduta" ou "importunação". Lembre-se: repetição e continuidade.
Não há uma definição rígida para a contínuidade do tempo ou da repetição do ato. Na primeira definição de assédio moral feita na Suécia pelo professor Heinz Leymann foi estipulado que o assédio moral estaria vigente se a continuidade fosse de no mínimo seis meses e os ataques ocorressem pelo menos uma vez por semana. Esta definição no entanto caiu por terra por não levar em consideração o nível da violência que poderia estar presente em cada ataque.
3. Direcionado a um grupo ou pessoa
O princípio fundamental do assédio moral é a discriminação, ou seja, o ato de tornar explícita de forma negativa determinada característica (ou grupo de características) de um certo grupo ou indivíduo com o objetivo de isolá-lo dos demais. Talvez seja a característica mais cruel do fenômeno.
Normalmente tudo começa devido a alguma característica física do sujeito, assim como sua opção religiosa, sexual, modo de falar, vestir, etc. É muito comum sob a forma de ridicularizações, isolamento social, piadinhas, etc. Não é raro que os demais colegas de trabalho passem a evitar o assediado temendo que também sejam identificados com este e, com isto, se tornem vítimas também (covardes).
É a recusa da diferença do indivíduo. Interessante observar que o fator diferencial não necessáriamente é negativo. É muito comum o isolamento de profissionais justamente pelo fato de possuírem competência superior que cause medo em seu medíocre colega assediador. Um exemplo interessante é a vítima que foi elogiada por seu superior hierarquico devido à qualidade do seu trabalho diante dos seus colegas.
Os tipos de assédio moral
Há quatro tipos de assédio moral: vertical ascendente, vertical descendente, horizontal e misto.
No vertical descendente um superior hierarquico assedia seus subordinados. Muitas pessoas acreditam ser este o único tipo. Ocorre normalmente quando o administrador quer se ver livre de um subordinado sem ter de arcar com dispesas adicionais como por exemplo uma recisão de contrato. Então começa uma campanha composta por diversos pequenos ataques que vão minando o funcionário até que este desista e peça demissão.
O vertical ascendente ocorre quando um subordinado assedia seu superior. É muito comum em equipes de desenvolvimento quando, por exemplo, um novo gerente surge e a equipe não aprova seu modo de gestão. Neste caso, o pobre do gerente verá todas as suas decisões serem boicotadas pelos funcionários e sua moral ser estraçalhada até chegar o momento em que este desista de sua equipe. Muito comum sua ocorrência com gerentes inexperientes ou incompetentes.
A horizontal envolve colegas em um mesmo nível hierarquico. Pode ser ocasionada por mera competição, inveja, ciúme, medo, vaidade ou qualquer outro tipo de sentimento negativo que possa surgir entre dois ou mais indivíduos. Pelos relatos que vi costuma ser dos mais cruéis, envolvendo pequenos boicotes diários ou semanais, intrigas, ataques verbais, etc.
O misto, como o próprio nome já diz, ocorre quando há uma mistura dos casos listados acima. Ainda não encontrei um caso que eu possa usar de exemplo neste post.
Não confunda com assédio moral
Muitos dos relatos que recebi não eram assédio moral, mas sim outros tipos de problema. Abaixo segue uma pequena lista de "falsos positivos" que, acredito, seja importante divulgar a fim de evitar que você pague micos em sua empresa.
Estresse
O fato do seu trabalho ser cansativo e estressante não quer dizer que você seja vítima de assédio moral. Estresse é o conjunto de reações que o organismo têm em resposta a agressões de ordem física ou psíquica que sofremos e que pode alterar o nosso equilíbrio. O que diferencia o assédio moral do estresse é a intencionalidade. O primeiro é intencional, o segundo não.
Há a gestão por estresse, em que um gerente incompetente força a barra da sua equipe a fim de obter uma melhor produtividade. Intencionalmente este gestor não quer causar danos à sua equipe, mas sim o contrário. Seus problemas de saúde neste caso serão causados pela desmedida e imbecilidade do "gerente", e não por sua intenção maléfica.
Conflito
O conflito surge quando há opiniões e posições divergentes sobre determinado assunto. É normal em qualquer relação humana, e não pode ser considerado assédio moral pois é uma relação simétrica (ou quase) entre duas ou mais partes. Enquanto houver conflito mútuo o assédio estará longe de você. Não: suas discussões no fórum interno da empresa com os outros programadores não pode ser considerada assédio moral.
É interessante observar que a partir do momento em que surgir uma relação de dominação, em que uma das partes tentar submeter a vítima a suas opiniões, pode surgir um assédio moral (desde que leve às três características do assédio que citei acima). Meu conselho? Saiba discutir que problemas não vão surgir. ;)
Chefe agressivo (bossing)
Há o chefe agressivo, chato, insuportável que trata todos sem a menor delicadeza. Repare: ele não individualiza seu tratamento. É apenas uma pessoa incompetente no seu lidar com o próximo. Também não pode ser considerado como assédio moral. Resumindo: é apenas uma pessoa desagradável.
Este tipo de comportamento é também conhecido como "gestão por injúria". É aquela anta que crê poder guiar seus subordinados através do grito. Steve Jobs adorava isto.
Agressões pontuais
Em qualquer emprego um dia alguém vai te chatear. Se for um fato isolado não pode ser considerado assédio moral. Claro: pode te causar um dano moral, mas esta é outra situação. Lembre-se: é preciso que haja uma repetição sistemática para ser assédio.
Más condições de trabalho
Se você trabalha em um lugar feio e desagradável, em que todas as pessoas (ou a maior parte delas) esteja sofrendo com o ambiente, isto não caracteriza assédio moral pois não há isolamento de um indivíduo ou grupo. É contra a lei, mas não é assédio.
Imposições profissionais (as regras da empresa)
Toda empresa tem suas regras. Ao ser contratado com certeza elas lhe foram informadas e você as aceitou, por mais chatas que possam parecer. É direito do empregador definir como seu negócio funciona.
Perfil do assediador e vítima
Não existem características que identifiquem de forma imediata um perfil assediador. Se houvesse seria discriminatório, o que jogaria todo este papo por terra. Normalmente é um conjunto de circunstâncias que leva alguém a desempenhar este papel. Pode ser que o sujeito seja realmente um mau caráter, mas também pode ser que o sujeito esteja sendo tão pressionado pela empresa que acabe acidentalmente desempenhando este papel. Esta é apenas uma das razões pelas quais um bom departamento de RH é importante dentro de uma empresa. O mesmo pode-se dizer a respeito do assediado.
Sendo assim, fica a dica: sim, você pode estar assediando alguém sem saber. Um pouco de auto crítica não faz mal a ninguém. E o contrário também é verdade: talvez sua auto estima esteja tão abalada devido à ação de um assediador que sequer se deu conta disto. Afinal de contas, foi uma série de pequenas agressões qeu acabaram por destruir a sua identidade, não é mesmo?
Continuando o trabalho
Neste post espero ter traduzido de uma forma mais clara o que vêm a ser o tal do assédio moral. No primeiro post quando pedi às pessoas que me fornecessem seus relatos não expus este conceito de forma tão clara para que pudesse ter uma visão a respeito da percepção do fenômeno que as pessoas tem. Agora que espero ter clarificado mais as coisas, peço novamente que me ajudem relatando experiências que tenham vivenciado. Com isto poderei tirar uma série de dados estatísticos com o objetivo de traçar um perfil do fenômeno em nossa área de atuação.
Basta clicar neste link para preencher o formulário. Seu anonimato é garantido. A título de curiosidade, 70% dos relatos não eram de assédio moral. :)
E como a fábrica de software propicia a ocorrência do assédio moral? Isto é assunto para o próximo post. ;)
Top comments (0)