Como diria Sherlock Holmes: "Os pequenos detalhes são sempre os mais importantes". Então antes de prosseguir é importante situar vocês nos pequenos detalhes do tempo e espaço. Tempo: 2005-2009, Espaço: Teresina-Piauí.
Na minha época e na minha região, os empregos de tecnologia eram escassos, a escassez fez com que a procura por vagas fosse maior do que o número de vagas ofertadas, entrando na lei da oferta e da procura. O resultado lógico foi que o salário e as condições de trabalho eram precárias. Então o primeiro ponto é a questão salarial, o custo de oportunidade naquele momento pra mim era alto, ganhar um quarto do que ganhava e não ter a liberdade de tempo que eu tinha, não compensavam, mas eu só saberia disso depois quando fui atrás de mais informações.
Quando ouvi falar pela primeira vez em fábrica de software na faculdade, meus olhos brilharam, não sei se foi obra da minha ingenuidade ou da imaginação. Naquele momento já tinha avançado a parte básica da programação, banco de dados, engenharia de software e POO. Só pensava em como deveria ser massa colocar em prática tudo aquilo que eu já tinha visto mesmo sendo em JAVA(eca!), a animação de todo e qualquer jovem aprendiz.
Logo estabeleci por meta conseguir informações e se possível ingressar o quanto antes na fábrica como todo bom operário.
Fiz vestibular aos 16 anos numa universidade particular e passei logo de cara, como todo adolescente apressado, não tinha tempo a perder, pedi o apoio dos meus pais e ingressei em Sistemas de Informação na primeira turma da instituição.
Os professores eram praticamente todos da federal, foi outro desafio, praticamente nenhum conhecia muito bem o mercado de tecnologia, formavam os alunos e era isso. Por ser a primeira turma faltou algo que eu julgo essencial hoje em dia: veteranos. Veteranos de guerra são desbravadores, já levaram muito tiro na cara e viram muitas minas terrestres explodirem, sabem os desafios e caminhos seguros.
O primeiro passo para ingressar em qualquer ambiente que você não tem contato é interagir com pessoas que fazem parte daquele ambiente e ficar a par de como é.
O que me restou? tentar conhecer pessoas e coletar informações sobre como eram as fábricas de software. Passei a frequentar palestras, ir a eventos da UFPI e interagir com veteranos de lá.
As informações que eu coletei eram completamente desmotivadoras e infelizmente se tornaram verdades na minha cabeça até bem pouco tempo.
Em 2019, minha esposa começou a fazer perícias judiciais trabalhistas em engenharia de segurança do trabalho. Como é algo muito sério que traz impactos financeiros na vida das empresas e na dos trabalhadores e possivelmente seria um desafio muito grande pra ela fazer sozinha inicialmente, eu fui atrás de alguma forma de ajudar, até ela ganhar uma certa experiência e conseguir voar sozinha. Eu acho que a principal vantagem de quem faz tecnologia é conseguir se adaptar a qualquer conhecimento.
Em 2018, iniciei um curso técnico de segurança do trabalho. Eu iria ser auxiliar técnico dela e entrar nas fábricas para ajudar nas aferições ambientais. Na minha turma do curso, tinham alguns que já tinham trabalhado nas fábricas da região e que de alguma forma foram sequelados por elas, tinham problemas dos mais diversos, desde psicológicos(Depressão, Ansiedade, TEPT, Burnout) até físicos(LER, DORT). Durante o curso aprendi muitas coisas sobre as doenças ocupacionais, o que acabou se tornando muito relevante e revelador.
Depois de terminar o curso técnico em 2019, finalmente caiu a ficha!!!! Eu achava que o nome de fábrica de software vinha pelo conjunto de recursos, metodologias e processos que levavam a construção de um produto final, que seria o software contratado, mas na verdade o nome vem das doenças ocupacionais que causavam nos trabalhadores de tecnologia.
Nas minhas conversas com os veteranos em 2008, as informações que colhi não foram animadoras: chefes abusivos, prazos irreais, excesso de horas extras, ansiedade, estresse, burnout, dores musculares e no pulso, local de trabalho não ergonômico. Todo tipo de doença ocupacional que uma fábrica comum traz aos seus trabalhadores.
Doenças ocupacionais e salário baixo proporcionados pela fábrica de software foram o segundo motivo que me levaram a não iniciar no mundo laboral em tecnologia, nem durante e nem logo após o término da minha faculdade.
O Henrique Bastos muito conhecido na comunidade do Python intitula esses lugares obscuros(que ainda hoje existem e são a primeira experiência de muita gente) como o vale das sombras, procure vídeos dele no YouTube falando sobre, pode ser bem elucidativo. Empresas do vale das sombras usam o apelo emocional da gratidão de terem dado a oportunidade da primeira experiência para manter cativos os trabalhadores.
Hoje em dia o poder de escolha não está com as empresas, mas está na mão dos profissionais, há muita oferta de trabalho em tecnologia e pouca mão de obra. Isso permite um cuidado maior com a pessoa. Por isso entenda que esse post discute uma realidade de 15 anos atrás que era muito comum, hoje a realidade é diferente, você até pode se deparar com uma empresa abusiva, mas você pode optar pela porta de saída quando quiser. Se não tem experiência, aguenta o tranco por um ano pra ter experiência no currículo e depois manda um até nunca mais, não caia na armadilha de contrair a síndrome de Estocolmo.
Até Breve 👋
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