Nos últimos artigos vimos os benefícios de maneira geral em utilizar o estilo de programação funcional, mas será realmente vantajoso começar a utilizar esse novo estilo? Deveríamos mesmo esperar grandes melhorias, ou só estamos trocando seis por meia dúzia?
Pode não parecer, mas essas são questões genuínas que nós precisamos responder antes de nos comprometermos nosso tempo e esforço em considerar essa abordagem.
Por que codar no estilo funcional?
Olhando a sintaxe do Java, podemos ver que, apesar de muitos acharem ela verbosa até, ela é simples! E uma vez que a sintaxe se torna familiar, sua utilização se torna confortável. Isso é verdade para praticamente qualquer linguagem. Quanto mais familiar estivermos com a linguagem, será confortável trabalhar com suas APIs e frameworks.
Mas o que mais nos atrapalha é que, além do esforço de codificar soluções para os problemas propostos, é o grande esforço para manter essa mesma base de código que, provavelmente, tem ou tiveram muitas mãos envolvidas em seu desenvolvimento.
Temos que garantir que nós e nossos amigos programadores estejamos sempre atentos a vários pontos sensíveis da aplicação que podem ser facilmente se tornar em um pesadelo de manutenção e evolução de nossos códigos. Não estou falando só de regras de negócios, mas também de códigos que tem preocupações ortogonais que suportam essas tais regras.
Só pra relembrar, abaixo temos alguns itens que precisamos dar atenção quando estamos desenvolvendo nossos códigos:
- Será que estamos lidando de maneira correta os recursos como banco de dados ou fluxos I/O? Estamos lidando corretamente com conexões de banco de dados? Será que estamos fechando as conexões no tempo certo? Será que estamos mantendo transações ativas além do tempo necessário?
- E quanto a tratamento de exceções? Será que estamos lidando com elas nos níveis adequados? Estamos registrando nos logs as exceções de maneira correta e no nível correto? E quan a auditoria de acesso e execuções?
- E quanto o processamento concorrente? Estamos adquirindo e liberando os locks de maneira adequada?
- E a lista se estende... etc...etc...
Cada um desses itens, olhando isoladamente, podem até parecer não serem grandes problemas para se lidar. Mas as coisas mudam de figura quando eles estão combinados a complexidade inerente ao domínio que a aplicação está se propondo a resolver. Com certeza, as coisas ficarão complicadas de maneira bem rápida, exigindo um trabalho árduo de manutenção dos códigos e dificultando também a sua evolução.
E se nós encapsularmos cada uma dessas decisões em pequenos pedaços de código, onde cada pedaço gerenciasse suas restrições de maneira mais concisa? Assim, não precisaríamos gastar energia além do necessário para garantir a execução adequada desses tais códigos.
Novamente essas palavras: código conciso. Talvez elas pairam na cabeça de vocês assim como pairam na minha, e então, perguntas como a seguinte pode surgir:
Será que código conciso significa apenas código enxuto?
Lendo o livro do Venkat Subramaniam 1, encontrei uma explição bem interessante que eu gostaria de compartilhar com vocês:
Writing code is like throwing ingredients together; making it concise is like turning that into a sauce.
Dando uma traduzida para o português:
Escrever código é como juntar ingredientes; fazer isso de forma concisa é como transformar isso em um molho."
Assim como criar um molho depende de um esforço em conhecer bem como juntar todos os ingredientes, escrever códigos concisos também requerem um esforço maior para serem desenvolvidos.
It often takes more effort to write concise code. It's less code to read, but effective code is transparent. A short code listing that's hard to understand or hides details is terse rather than concise.
Minha humilde tradução:
Muitas vezes é preciso mais esforço para escrever um código conciso. É menos código para ler, mas código efetivo é transparente. Uma pequena lista de códigos que são difíceis de entender ou que escondem detalhes são mais enxutos do que concisos;
PS: o termo terse, pelo que consegui encontrar na internet 2 , significa que muitas palavras foram descartadas da frase em questão, dificultando sua compreensão, então usei o termo enxuto no contexto. Fica aqui meu apelo pela ajuda por alguém que domina inglês 🙏
Concise code equals design agility. Concise code has less ceremony. This means we can quickly try out our design ideas and move forward if they're good, or move on if they turn sour.
Traduzindo:
Código conciso é como design ágil. Código conciso tem menos cerimônia. Isso significa que nós podemos experimentar rápidamente nossas ideias de design e seguir em frente se elas forem boas, ou mudá-las se elas "azedarem".
Então podemos concluir que um código conciso é aquele que além de fazer o que é proposto a fazer, ele deve ser claro, sucinto, sem ambigüidades, curto porém com todas as informações necessária para sua compreensão.
Bom, com certeza não é algo fácil de se atingir... mas não desanimem! Com prática e estudo chegaremos lá! 👍
Que tal agora codar um pouco?
EAM - Execute Around Method pattern utilizando Lambda Expressions
Nos textos anteriores, encontraremos a seguinte questão:
Será que estamos lidando de maneira correta os recursos como banco de dados ou fluxos I/O?
E nos parágrafos subsequentes também encontraremos o seguinte texto:
E se nós encapsularmos cada uma dessas decisões em pequenos pedaços de código, onde cada pedaço gerenciasse suas restrições de maneira mais concisa?
Pois bem, trabalhar com recursos externos traz alguns detalhes que são importantes, pois se não tratarmos da maneira correta, problemas como vazamento de memória (memory leaks) podem surgir.
O Java provê algumas opções para fechar e liberar recursos, mas acredito que podemos utilizar Lambda Expressions de uma maneira interessante para lidar com esse detalhe.
Vamos iniciar a partir de uma simples classe que lida com um recurso externo, uma classe que utiliza um FileWriter para escrever algumas mensagens:
public class MessageFileWriter {
private FileWriter writer;
public MessageFileWriter(String filename) throws IOException {
this.writer = new FileWriter(filename);
}
public void writeMessage(final String message) throws IOException {
this.writer.write(message);
}
public void closeFile() throws IOException {
this.writer.close();
}
}
No construtor da classe MessageFileWriter
inicializamos a instância FileWriter
passando o nome do arquivo destino em que queremos escrever. Com o método writeMessage
podemos escrever mensagens utilizando a instância do FileWriter
. Já o método closeFile
nós poderemos fechar o recurso chamando o método close
da instância FileWriter
e com isso, esperamos que as mensagens sejam descarregadas para o arquivo para só então fechá-lo.
Agora vamos escrever o método main
para que possamos utilizar essa classe:
public static void main(String... args) throws IOException {
var messageWriter = new MessageFileWriter("messages.txt");
messageWriter.writeMessage("Hello folks!");
}
Aqui, criamos uma instância da classe MessageFileWriter
e então invocamos o método writeMessage
passando uma String
com o texto "Hello folks!" como a mensagem que queremos escrever, mas se executarmos esse código, nós vamos ver que o arquivo message.txt
está em branco 😱. O método closeFile
nunca é chamado, assim o arquivo nunca será fechado e o conteúdo que queremos escrever nunca será descarregado da memória para o arquivo.
Se criarmos várias instâncias em processos de longa duração (long-running process) nós iríamos acabar com vários arquivos abertos que não seriam fechados e todos estariam em branco!
Você pode estar pensando:
Ah, vamos adicionar a invocação do método
closeFile
então!
Provavelmente iremos terminar um código similar como demostrado abaixo:
public static void main(String... args) throws IOException {
var messageWriter = new MessageFileWriter("messages.txt");
messageWriter.writeMessage("Hello folks!");
messageWriter.closeFile();
}
Apesar de aparentemente termos resolvido o problema, essa abordagem ainda demonstra alguns problemas (code smells) 😕:
Esse código tende a introduzir duplicação de código e assim, aumento de custo de manutenção. Isso quer dizer, em qualquer lugar que fossemos utilizar instâncias da nossa classe MessageFileWriter
, teríamos que sempre chamar o método closeFile
para ter certeza que o conteúdo vai ser descarregado no arquivo e o recurso fechado. E devemos concordar que o design da interface de nossa classe não ajuda a evitar esquecer esse detalhe.
Estamos trabalhando com recursos externos, então, provavelmente exceções podem ser lançadas e se não tratadas, o recurso não será fechado e talvez a aplicação possa entrar em um estado inconsistente.
Podemos implementar blocos try
e finally
em torno da chamada desses métodos e assim garantir que o método closeFile
será chamado:
public static void main(String... args) throws IOException {
try{
var messageWriter = new MessageFileWriter("messages.txt");
messageWriter.writeMessage("Hello folks!");
}finally{
messageWriter.closeFile();
}
}
Poderíamos também utilizar uma feature que foi introduzida no Java 7, ARM - Automatic Resource Management, na qual podemos reduzir a verbosidade da versão no exemplo anterior usando o bloco try-resources
, que é uma forma especial de utilizar o bloco try
informando instâncias que implementam a interface AutoCloseable
na qual serão fechados ao finalizar o bloco try
.
Caso tenha interesse em saber mais sobre tratalmento de exceções, segue o meu artigo [PT-BR] Be the exception! Dicas para dominar exceções em seus códigos Java 😎.
Vamos refatorar nossa classe MessageFileWriter
para que ela implemente essa interface:
public class MessageFileWriter implements AutoCloseable {
private FileWriter writer;
public MessageFileWriter(String filename) throws IOException {
this.writer = new FileWriter(filename);
}
public void writeMessage(final String message) throws IOException {
this.writer.write(message);
}
public void close() throws IOException {
this.writer.close();
}
}
E aqui aplicamos o try-resources
:
public static void main(String... args) throws IOException {
try (var messageWriter = new MessageFileWriter("messages.txt")) {
messageWriter.writeMessage("Hello folks!");
}
}
Porém, o problema de duplicação de código e aumento de esforço de manutenção ainda vão continuar e, toda vez que alguém mexer em alguma nessa parte que contenha esse trecho de código, será necessário verificar se nada foi quebrado com a mudança. (Testes, please 🙏!)
ARM foi um passo para o caminho certo, mas mesmo assim, há a necessidade de declarações adicionais para utilizar nossa classe. IMHO, ninguém deveria ter a necessidade de saber que nossa classe implementa AutoCloseable
e que pode utilizar try-resources
para utilizá-la.
Como desenvolvedores, amamos quando o compilador e a IDE nos auxiliam na utilização de uma dada API, não é mesmo?
Que tal desenhar nossa classe de tal forma a ser mais concisa e fácil de utilizar!?
Conhecendo o pattern Execute Around Method - EAM
Para nossa solução, vamos utilizar Lambda Expressions para implementar um pattern chamado Execute Around Method - EAM 3, na qual fornecerá um melhor controle para coordenar a execução sequencial de operações.
Esse padrão nos permite encapsular as operações na sequência desejada para que, a partir de uma possível função de primeira ordem passada como argumento, dispare a execução das operações e da função de maneira adequada.
O que é "Função de primeira ordem"?
Diferentemente de linguagens de programação funcionais, como Haskell, que favorecem a imutabilidade, o Java nos permite utilizar a mutabilidade. A esse respeito, Java é uma linguagem orientada à objetos, e não é, e nunca será, uma linguagem funcional pura, porém, podemos utilizar o estilo funcional no Java.
As funções de primeira ordem (Higher-order functions) elevam o conceito de reusabilidade de código para o próximo nível. Ao invés de somente contar com objetos e classes para promover o reuso, com funções de primeira ordem nós podemos facilmente reutilizar funções pequenas, coesas e muito bem definidas.
Em OOP (Object-Oriented Programming), nós passamos objetos para métodos, criamos e retornamos objetos de métodos. Funções de primeira ordem fazem para as funções o que métodos fazem para os objetos. Com funções de primeira ordem podemos:
- Passar funções para funções;
- Criar funções dentro de funções;
- Retornar funções de funções;
No Java, podemos:
- Passar objetos de função para métodos;
- Criar objetos de função dentro de métodos;
- Retornar objetos de função de métodos;
Logo, podemos usufruir dessa mesma abordagem para trazer esse conceito para o mundo do Java.
Agora vamos voltar aos nossos códigos...
Vamos preparar uma classe chamada MessageFileWriterEAM
para essa a nova solução utilizando EAM:
public class MessageFileWriterEAM {
private FileWriter writer;
private MessageFileWriterEAM(String filename) throws IOException {
this.writer = new FileWriter(filename);
}
public void writeMessage(final String message) throws IOException {
this.writer.write(message);
}
private void closeFile() throws IOException {
this.writer.close();
}
}
Como você pode ter notado, deixamos essa classe com o construtor e o método closeFile
privados, além de fazer com que essa classe não implemente mais a interface AutoClosable
.
Uma vez que não podemos criar diretamente uma instancia do tipo MessageFileWriterEAM
pelo seu construtor, nós precisaremos de um método fábrica (Factory Method)4 para poder usa-la.
Diferentemente dos métodos fábricas que criam uma instância e as devolvem para uso, nosso método vai receber um objeto de função do usuário, realizar a operação e só retornar ao fluxo da aplicação após o término de seu trabalho.
Primeiramente teremos que implementar uma interface funcional que será o tipo de função que nosso método irá receber.
As interfaces funcionais (Functional Interfaces) são interfaces que contém um único método, e são cadidatos ideais para que o compilador sintetize objetos de função atravez de Lambda Expressions ou Method References - Sim... no futuro falaremos mais sobre Method References! 😉
@FunctionalInterface
public interface UseMessageFileWriter<T, E extends Throwable> {
void accept(T instance) throws E;
}
PS: Nesse nosso exemplo, para fins didádicos optamos em criar uma interface funcional customizada, mas uma boa prática é utilizar as interfaces funcionais padrão fornecidas pelo pacote java.util.function
5 uma vez que alguma atenda sua necessidade. Há aproximadamente 43 interfaces funcionais no pacote java.util.function
. Não espere se lembrar de todas elas, porém se você lembrar de pelo menos seis interfaces básicas, provavelmente você vai deduzir o restante quando precisar.
UseMessageFileWriter
será nossa interface funcional. Repare que anotamos a interface com @FunctionalInterface
. Isso é puramente opcional, mas sempre é útil comunicar a intensão explicitamente para quem for utilizar nossos códigos. Assim, qualquer desenvolvedor irá compreender que é uma interface funcional e que não deve adicionar novos métodos à interface.
Agora vamos implementar esse método:
public static void use(final String filename,
final UseMessageFileWriter<MessageFileWriterEAM, IOException> block) throws IOException {
final MessageFileWriterEAM messageFileWriterEAM = new MessageFileWriterEAM(filename);
try {
block.accept(messageFileWriterEAM);
} finally {
messageFileWriterEAM.closeFile();
}
}
Mais um detalhe: poderíamos fazer com que a classe MessageFilterWriteEAM
implementasse AutoCloseable
e assim utilizar try-resources
ao invés de usar o bloco try
e finally
, mas, por decisão de design, não desejamos permitir que desenvolvedores tenham acesso ao método close
e assim abrir a possibilidade para esse método ser chamado antes da hora.
E assim podemos ver o ganho na utilização desta abordagem:
public static void main(String[] args) throws IOException {
MessageFileWriterEAM.use(
"messages.txt",
writerEAM -> writerEAM.writeMessage("Hello folks!"));
}
Agora, qualquer componente poderá fazer uso da classe MessageFileWriterEAM
de maneira concisa, permitindo os clientes de nossos códigos passar objetos de função e consumir a nossos códigos da maneira adequada, sem se preocupar se há necessidade de fechar recursos ou se precisa orquestrar invocações de métodos pois todos esses detalhes estão encapsulados atrás da chamada do método use
. Isso abre oportunidade para evoluir o código de implementação, como adicionar features, como por exemplo: logging, etc.
E é isso galera!👏👏👏
Espero que tenham gostado do texto! 👍
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Críticas e sugestões serão sempre bem-vindos!!!
Até a próxima.
Top comments (2)
Show de bola Max, gostei de mais da leitura, me fez refletir varias aplicações para Execute Around Method e além do mais um forte indicativo de como aproveitar as Lambdas com Java.
Execlente Artigo, Parabéns!
Que legal que gostou!!! Abraços!!!