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Lissa Ferreira for Feministech

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TRANSquimia: do carvão pro diamante

Direcionamento

Esse artigo é direcionado principalmente á pessoas cis que querem se informar, estudar, entender,etc. mais sobre transexualidade e pessoas trans. Mas também pode ser muito bem lido por pessoas trans, porque eu conto parte da minha transição, só que de maneira impessoal.

Bola de Neve

Já sentiu que em algumas situações sociais, você queria dizer ou fazer algo, mas alguma coisa na sua cabeça te impediu de fazer isso?

Esses bloqueios são normais, e não são necessariamente ruins. Muitas vezes te impedem de fazer coisas desagradáveis ás outras pessoas, mas também podem te impedir de se expressar do jeito que você se sente melhor, mesmo respeitando todes.

Agora, imagina que essas situações ocorram todo dia, e que ao longo do tempo, o impedimento te incomoda mais e mais, até parecer que cada vez mais sua cabeça vira um nó que você vai ter que desamarrar no escuro?

O nome desse incômodo pensando no contexto da transexualidade é a disforia de gênero, um desconforto em relação com o quê as pessoas achavam que você era, com o quê você realmente É.

Vamos um pouco além, de onde vem esse bloqueio? de onde vem esse impedimento?

Gelo e Água

Eu queria que você respondesse uma pergunta para mim, você é uma pessoa ansiosa?

A maior parte das pessoas vão responder sim ou não pra essa pergunta, e nenhuma das duas respostas tá certa.

A nossa vida tem momentos, momentos que vão desde épocas inteiras, até poucos segundos. Milhares de experiências, toda uma soma de experiências que aconteceram no nosso corpo, na nossa mente, e na nossa alma. Tudo misturado e condensado na nossa memória. E olhando pra toda essa imensidão do oceano da nossa cabeça, como você pode determinar que você É uma pessoa ansiosa? Você não É, você ESTÁ ansiosa. Mesmo que seja por 30 segundos ou 30 anos.

E esse ESTÁ mora dentro do seu ponto de vista. Você não conhece tudo sobre você, tem um monte de coisa que você ainda não sabe sobre todo o monumento que compõe a pessoa que você é. Exatamente por isso que eu gosto da ideia de ESTAR, não SER. Porquê eu não sei por quanto tempo eu ainda vou ser algo, só sei que quantas mais vezes o "estar" muda, menor a chance de mudar, e só isso.

Essa ideia de É ou SER é algo completamente inserido nas nossas cabeças, e eu tenho duas provas disso.

Populações indígenas com um sistema não-binário de gênero

Muitas populações indígenas das américas (leia-se américa do norte, central e do sul) tinham sistemas de gênero não binários, tendo 3, 4, ou até 5 gêneros. Não um sistema binário onde só existe homem e mulher. E esse sistema só foi modificado quando colonizadores europeus começaram colonizar as américas, e julgar essa cultura como um "pecado".

Logo, quem que tinha um sistema binário de gênero, eram os europeus que colonizaram quase o ocidente inteiro, e implantaram essa ideia que só existe homem e mulher, ignorando qualquer outra identidade de gênero.

Caso queira saber mais sobre esse assunto, recomendo esse vídeo da Rita Von Hunty que aborta sobre cada letra da sigla LGBTQIA2P+, e esse tema tá especificamente na letra 2 (Two Spirit), mas recomendo ver o vídeo inteiro, não apenas essa parte.

Fixismo

O fixismo era uma filosofia europeia (novamente) que os animais sempre foram do jeito que são, e vão continuar assim pra sempre. O coelho sempre foi um coelho, e sempre vai ser um coelho. Essa ideia foi criada para valorizar o ser humano, como se fosse um animal superior á todos os outros.

E claro, essa teoria não vivia só na biologia, era uma lógica que se expandia também pra psicologia humana, é daí que vem esse negócio de "Eu sou assim, sempre fui assim e nunca vou mudar". Isso pode até funcionar na biologia olhando pra um único indivíduo, mas a mente é muito mais complexa e inexplicável que nenhuma ciência vai explicar essa máquina que todes nós temos.

Pra explicar esse tema, tem esse vídeo do Pirula onde ele explica sobre cladísicas, filogenia, escola evolutiva,etc. E também sobre fixismo e como essas teorias foram sendo criadas e evoluidas (risos) durante o tempo.

Porquê essa diferença?

Acima, eu deixei claro a diferença entre o pensamento europeu binário, determinístico e fixista, onde tudo é do jeito que é, e nunca vai mudar. Enquanto o pensamento indígena era muito mais diverso e flexível, sendo muito mais plural e inclusivo.

A razão dessa diferença eu não sei, e não tenho gabarito pra fazer pesquisas sobre diferenças culturais nesse nível. Mas gosto de pensar que enquanto os indígenas observavam a água dos rios, e viam o fluxo de água mudando, ás vezes mais rápido, ou mais lento, mas sempre mudando, sempre flexível, sempre em mudança, os europeus viam a água em forma de neve e gelo, coisas estáticas que não mudam até a proxima estação.

E se 70% do corpo humano é água, pros indígenas 70% humano era flexível, mutável, diverso, abstrato, LIVRE, enquanto pros europeus 70% do humano é estático, fixo, determinado e PRESO.

Isso é só uma teoria minha, que tá mais pra uma analogia, mas é o jeito que eu gosto de pensar.

Influência social

Essa ideia europeia implantada na nossa cabeça, acaba tendo a influência de pensar que não podemos mudar, que somos fixes, que somos determinades, logo, não podemos mudar. Logo, Se eu quero fazer coisas que são geralmente associadas ao sexo oposto, não posso.

Porque? Porquê é errado. porque não é algo que eu posso fazer, porque eu não posso mudar.

Nessa hora que muitas pessoas trans, incluindo eu, começam a evitar completamente comportamentos do sexo oposto, tentando fugir da pressão social de "ser algo que você não é". Tentando se convencer que você é, sempre foi, e pra sempre vai ser aquilo que disseram que você é.

E é aí que entra a reflexão, será que eu não posso mudar, porque eu sempre fui isso que eu to tentando não ser?

Sendo mais simples: Eu sou o quê eu quero ser, porquê eu sempre fui.

O binarismo é uma mentira, o fixismo é uma mentira, o determinismo é uma mentira. Você não é o quê você é hoje, você é o quê você é amanhã, e sim, a frase é essa, eu não errei o tempo verbal.

Do carvão pro diamante

E agora entra o motivo do título do artigo, durante todas essas pressões que pessoas trans passam ao longo do tempo, vão apertando e apertando, esmagando e esmagando. A disforia vem te atacando e atacando, até que depois de tanta pressão, reflexão e entendimento, o pequeno pedaço de carvão que você era, não representa mais você. Porquê depois de tanto tempo, você entendeu que você é você, não o quê os outros disseram que você era. E você se descobre como um belíssimo diamante, extramente brilhante, resistente, precioso, e que pode refletir um arco íris inteiro.

Pessoalmente eu ainda não sou um diamante, tô ainda no caminho, recebendo pressão e pressão, pra quê algum dia possa ser o diamante que quero ser.

E lembrando, não romantize a violência e a opressão. Essas pressões não deveriam existir. Todes deviam ser o diamante que querem ser, sem precisar de todo um preparo, melancolia e dor no processo. Mas é esse o mundo que vivemos.

Como mudar essa situação?

Antes de pensar em mudar o mundo, pense em mudar o seu círculo. Você conhece diretamente alguma pessoa trans? Você consome conteúdo de alguma pessoa trans? Qual é a primeira coisa que você lembra quando pensa sobre pessoas trans ou transexualidade?

Faça esses mesmos questionamentos que você fez á sí ás suas pessoas amigas. Tenta inserir algo sobre isso, ou algum conteúdo de uma pessoa trans pra essas pessoas, e analise cuidadosamente a reação dessas pessoas.

E se essas pessoas tiverem uma reação negativa, eu buscaria seriamente rever as minhas amizades.

Se cada pessoa fizer uma pequena parte no seu círculo social, mais e mais essa situação vai melhorar, como um efeito em cadeia, trocando uma "cadeia de conservadorismo", pra "liberdade do eu".

Muito obrigada por ler ❤️🏳️‍⚧️ e me segue nas redes, é tudo @lissatransborda 👀

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